O amor e os relacionamentos






Tenho lidado com casais em processos terapêuticos ao longo dos últimos 20 anos, e observado em diversas ocasiões que o amor não basta para sustentar e manter o casamento feliz. 

Muitos têm comparado os casamentos reais com os dos contos de fada, onde se pressupõe exatamente o contrário: casam-se porque se amam e depois são felizes, é o que nos dizem: “ casaram-se e foram felizes para sempre” –  Mas, não ensinam como; e neste ponto em que as estórias que povoam as fantasias terminam, os casais têm que seguir sozinhos e acreditando que serão também felizes para sempre. 

Como não ser feliz se este é o destino prometido a quem se casa por amor? Foi tanta busca por este ser amado, e não havia dúvida que era ele(a) SIM!  

Quanta frustração, quanta desilusão, quanta briga e quanta luta, porque nesta idealização do casamento e do ser amado estão implícitas outras fantasias, e uma boa parte delas totalmente inconscientes, tais como: eu darei tudo, em troca de tudo; as coisas se manterão num padrão de envolvimento e apaixonamento em que bastaremos um ao outro; ele(a) sempre – note o SEMPRE- me  compreenderá, apoiará, estará disponível e até terá o dom de adivinhar os meus desejos, porque me ama: o amor acaba de tornar-se esta sentença que paira sobre o parceiro como a obrigação de ME fazer Feliz. 

Na fantasia da união perfeita o outro se torna o ser perfeito que nos levará ao paraíso perdido – e isto até acontece nos momentos mágicos de intensa fusão – e a partir daí, nada mais poderá modificar este estado. 

O fato é que isto não acontece, e pequenas e corriqueiras banalidades, com extrema facilidade e alguma rapidez tiram os casais do paraíso e os colocam diante de um mundo bastante real.

E os parceiros de repente aparecem um para o outro em toda a sua totalidade, complexidade e limitações. 
   
E talvez não exista nenhuma forma de relacionamento mais intensa e complexa que a dinâmica vivida pelos casais, isto porque, tal relação abrange em seu contexto todos os níveis de envolvimento, e nela,  o ser humano está exposto  de modo íntimo e abrangente como em nenhum outro contexto. 

Parece que este novo ser, este tão humano, não se parece tanto com aquele tão idealizado com o qual a pessoa se casou, e de fato, esteve ali o tempo inteiro. 

O que muda é que na ânsia por este encontro, seleciona-se o que se quer ver e quando o amor apenas principia, é fácil acreditar que com um pouco de tempo, o que consideramos defeitos, se transformará em opostas qualidades.

Na verdade, com o tempo, a visão indulgente é que se transforma no seu oposto, e se passa a olhar o parceiro através de lentes que ampliam as suas limitações e a pessoa amada passa a ser a fonte das dificuldades.

Mas, o amor permanece, ele é a garantia, ama-se ainda o parceiro, só é necessário algum tempo a mais e um tanto mais de esforço para que finalmente o destino se cumpra e ELE(A) lhe faça feliz!
  
É claro que os casais continuam perdidos em suas percepções, indo de um a outro extremo, em função do mesmo objetivo: encontrar a tão desejada realização na vida amorosa, no casamento, no amor.

Esta é uma história muito comum aos seres humanos, talvez a parte que esteve oculta, e tantos a conhecem: brigas, torturas psicológicas e emocionais sobre o parceiro, variadas formas de traição, e de repente, nem sabem mais se ainda é amor o que os une – quando não se separam odiando-se em meio às crises.

Mas, e quando ainda se perguntam: Será amor? 

Talvez seja ainda amor...

Pois o amor quando verdadeiro costuma sobreviver a toda esta tragédia, ainda que seja para cada parceiro permitir que o outro siga um caminho diferente do seu, compreendendo que nem sempre é possível caminhar juntos pela vida inteira, mas ainda assim é possível abençoar o outro na nova estrada e seguir a própria, guardando com gratidão os bons momentos e tudo que de positivo puderam se dar.

Mas, se é amor, não vale a pena tentar resgatar a relação que quase se perdeu ou que ainda não se perdeu?

Parece que, quando é amor se tenta sempre, mas para se conseguir, é preciso crescer, abandonar as ilusões da criança em busca dos pais “prefeitos” que a tudo vão preencher, e olhar o parceiro sem ilusões (tanto negativas quanto positivas) e olhar a si mesmo sem ilusões, talvez a parte mais difícil...

A grande piada é que ambos estavam o tempo inteiro fazendo o mesmo processo e sonhando os mesmos sonhos e ansiosamente olhando para o outro como a fonte da sua felicidade.

Gosto de ouvir os teóricos em quem confio, mas nunca deixo de ouvir as pessoas que não teorizam, mas vivem e constroem realidades. 

Outro dia fui convidada para bodas de ouro de um casal que se declara feliz, eu e todos os seus amigos e parentes acreditamos nesta felicidade. 

Então eu perguntei ao marido qual o segredo disto, afinal, eles eram um conto de fadas 50 anos depois do grande momento “casaram-se e foram felizes para sempre”, e ele me disse: “ –Todos quando casam esperam que o outro lhe faça feliz, o único segredo é que não podemos fazer com que alguém nos faça feliz, mas podemos fazer o outro feliz!”

É claro que este casal passou por suas crises, mas em meio a elas, persistindo na relação, se aprofundando nela, chegou a um amor mais maduro, a um amor que ama ao invés de esperar apenas ser amado. 


Marise Sampaio Dias :: 2010

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